terça-feira, 7 de outubro de 2008

[NJ] Sobre a crise econômica

SOBRE A CRISE ECONÔMICA

O senhor leitor ou a senhora leitora que, como eu, não é especialista em economia apreciaria, muito provavelmente, uma explicação esmiuçada, minimamente compreensível, do que é a crise que tem, a partir do EUA, abalado o mundo nos últimos dias. Isto, infelizmente, vou ficar devendo. Poderia, no máximo, como jurista, tentar explicar o que é uma hipoteca. Mas, ainda a esse respeito, não poderia dizer mais do que o pouco que lembro ter ouvido em alguma aula de direito civil, lá pelo terceiro ou quarto ano da faculdade. A hipoteca, para situar o leitor ou a leitora que também não é especialista em direito, não é comum entre nós. No mais, o jargão propriamente econômico é, no geral, para mim, estranho e não estou sequer minimamente habilitado a traduzi-lo.


Se não posso explicar exatamente o que é a crise, suas causas e conseqüências, posso, contudo, tratar do que a crise traz à tona. Não me atrevo a dizer que isso irá simplificar qualquer coisa e ajudar na compreensão. Pelo contrário, irá complicar ainda mais. Penso, porém, que poderá despertar algumas outras reflexões – reflexões que reputo relevantes.

A crise econômica, este evento cíclico do capitalismo, é, para usar uma analogia banal, um peculiar momento em que transparece muito claramente que o cobertor é menor do que a cama. Quem está por baixo, encolhido, é logo forçado a pôr os pés para fora, porque quem está de fora se apressa a procurar também o seu cantinho – e não há lugar para todos. A crise deixa a vista, portanto, aquilo que geralmente não aparece. Aquilo que não deveria aparecer. Quero destacar, a respeito do que a crise atual tem revelado, especificamente três pontos.

Primeiro. O liberalismo – agora o novo, como antes o velho – dá sinais bastante veementes de suas limitações e, talvez, de seu fracasso. O livre mercado, que deveria dar conta de todos os problemas do mundo, mostra agora exatamente para que lado conduz. Se muito, o mercado resolve os seus próprios problemas, que nada tem a ver com as necessidades e o bem-estar das pessoas de carne e osso. No entanto, deixado por sua própria conta, movimentando-se com as mínimas restrições possíveis, o mercado não apenas não resolve os problemas de ninguém como, volta e meia, cria problemas colossais para si mesmo. Isto não quer dizer, por um outro lado, que o intervencionismo estatal seria a verdadeira solução. A intervenção do Estado não subverte a “lógica” do capitalismo, portanto não acaba com as “negligências” do mercado – apenas põe-lhes um freio.

Segundo. A própria separação, essencial à sociedade capitalista, entre Estado e sociedade civil, pela qual o Estado deveria ser o lugar exclusivo do público, é seriamente sacudida. O domínio puramente privado da sociedade civil deveria ser privado precisamente em função da não-ingerência do público, do Estado. Mas quando os bancos privados ameaçam falir e o capital (que só pode ser) privado ameaça implodir, o Estado não hesita derramar rios de dinheiro que deveria ser público para salvá-los. O que realmente importa fica, então, evidente para todos os olhos. Isto que nós, juristas, chamamos de “bem comum”, “interesse público” etc. pode ser, na melhor das hipóteses, um “segundo plano” (nem isso, penso) – a continuidade do movimento do capital, em prol de interesses sumamente privados, é, nesta sociedade, o centro de gravidade de tudo, inclusive do Estado.

Terceiro. A loucura da especulação e do financismo – isto é, do capitalismo contemporâneo – transparece, finalmente, como uma autêntica loucura. É princípio elementar da economia, mas os próprios economistas parecem às vezes esquecer. Dinheiro não vira mais dinheiro sozinho. Uma soma x não se torna x+y pela pura flutuação financeira. A fluidez do capital, o seu movimento incessante, o paraíso da globalização criam, de fato, a ilusão de que deveria ocorrer uma multiplicação automática. Mas a multiplicação do capital só acontece através da injeção de trabalho vivo em trabalho morto, com a apropriação de trabalho não pago – na sujeira e na fumaça do chão da fábrica e não nos salões limpos e iluminados da bolsa e dos bancos. É o processo de exploração do trabalho que, em última instância, no fim da cadeia, sustenta toda a especulação. O resto é maquinação, maquiagem, cálculos financeiros que ninguém explica – numa palavra: bolha.

Pois bem... Quem apostou que a bolha poderia crescer indefinidamente errou...

[Publicado no JORNAL DIÁRIO de Dracena-SP em 05/10/2008]