quinta-feira, 16 de julho de 2009

[NJ] Movimento estudantil e política hoje

MOVIMENTO ESTUDANTIL E POLÍTICA HOJE

Dias atrás fui à Cidade Universitária, o campus principal da Universidade de São Paulo na cidade São Paulo, onde deveria assistir a uma aula na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Era segunda-feira, 8 de junho, logo após o horário do almoço. O que lá encontrei, para a minha completa surpresa, foram vários carros da política militar, policiais armados por todo lado, o campus tomado pela polícia.

Soube, logo depois, que a Cidade Universitária havia amanhecido praticamente “sitiada”. Os funcionários estavam em greve e tinham apoio de parte considerável dos estudantes. A reitoria, então, tomou as providências para evitar “depredação do espaço público” – isto é, para evitar que algo como o episódio da invasão do prédio da reitoria ocorrido em 2007 se repetisse. E lamentavelmente recorreu, para isso, à polícia.

Digo “lamentavelmente” porque o espaço da universidade é, via de regra, um espaço livre da ingerência policial. Há uma “guarda universitária” exatamente para que a polícia lá não intervenha. Esta regra foi quebrada poucas vezes e, em especial, nos mais obscuros períodos da ditadura militar brasileira – e com resistência da própria USP. Agora, a própria direção da USP recorre à polícia. Agora, a própria direção da USP parece preferir a força das armas à discussão e à negociação com funcionários e alunos.

Ver escopetas e metralhadoras “passeando” nas dependências da USP foi, para mim, chocante – a cena parecia digna de pesadelo. E, de tão chocado que fiquei, resolvi, no dia seguinte, em minha aula de História do Direito, falar aos meus alunos sobre a situação do movimento estudantil hoje no Brasil.

O movimento estudantil é, afinal, uma força a não ser negligenciada. Os estudantes carregam, não raro, os anseios por transformação mais elevados de toda uma sociedade, carregam esperanças que, muitas, o avançar da idade deixa sepultar irrealizadas – e se dispõem a lutar por seus ideais. Durante o período da ditadura militar, o movimento estudantil brasileiro claramente teve este papel. Estudantes se uniram, lutaram, eventualmente foram presos, torturados e mortos, mas tiveram a coragem de ousar reclamar um outro Brasil. Hoje, no entanto, se observamos atentamente, veremos um movimento estudantil muito mais fraco. Por quê?

Certamente diversas conjecturas podem ser feitas. Expus aos meus alunos a minha própria. No Brasil, a democracia formal venceu e se consolidou a partir de 1988. Mundo afora, o Muro de Berlim caiu em 1989, o mundo bipolar tornou-se unipolar com a vitória final da vertente liberal do capitalismo. Os anos 1990 foram, nesse sentido, os anos da desmobilização política, verdadeiramente do descrédito na política. Houve quem tenha declarado mesmo o “fim da história”. Nada mais que mudar havia no mundo. Para quê, então, política?

Reflexo disto se fez sentir, é evidente, também entre os estudantes. Esperanças em quê? Movimento estudantil para quê? Se a política está morta, lutar para quê? A desmobilização, aliada à crescente “mercadorização” da educação, especialmente da educação de nível superior, conduz, em geral, o estudante a pensar que de nada valem os ideais de transformação social, de nada vale o engajamento político, porque só o que lhe interessa, só o que vai encher-lhe a barriga e os bolsos, é uma formação universitária que garantirá melhores condições de inserção futura no mercado de trabalho. Que se explodam as grandes questões sociais e as grandes questões do mundo – o que vale mesmo é o “salve-se quem puder” e quem tiver um “diploma” em mãos há de salvar-se com maior facilidade.

Tendo isto em conta, fica claro que o movimento estudantil não haveria mesmo de se fortalecer nos últimos anos. E, pensando um pouco adiante, se, por um lado, foi um certo autoritarismo da reitoria da USP que propiciou a presença da polícia armada, foi, por um outro lado, a fraqueza do movimento estudantil que indiretamente permitiu que a situação chegasse a tal ponto. Um movimento estudantil forte não teria sido conivente, desde o primeiro momento, sequer com a entrada da polícia no campus. Não teria ficado em silêncio enquanto armas de fogo circulavam pelo espaço que deveria ser dos livros. Por isso, pedi aos meus alunos, que são de uma geração mais jovem, que não repitam o erro da minha geração. Que não se deixem desmobilizar, que não se deixem silenciar – porque este mundo ainda precisa, e muito, da voz e da luta dos estudantes.

Fiz este longo discurso no início da noite de terça-feira, mas ainda sem saber do desdobramento dos acontecimentos na USP. Apenas no final da aula fui informado por um aluno e só mais tarde consultei os jornais, inclusive os televisivos, para conferir o que ocorreu. Na terça-feira, final da tarde, a polícia efetivamente entrou em confronto com os estudantes. Balas de borracha foram disparadas e bombas de gás foram lançadas na mesma Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas onde estive um dia antes.

Se a cena de segunda-feira foi, para mim, quase um pesadelo, a de terça-feira não poderia ser outra coisa. Para a alta direção da USP e para o governo do estado de São Paulo, está claro, a questão estudantil é uma questão de repressão policial. No espaço do conhecimento, venceu a força. No espaço do debate, venceu a truculência. Parece, enfim, que nossos dias não são menos obscuros do que os dias passados. Parece que este vitorioso mundo da democracia formal e do neoliberalismo não é menos digno de ser transformado. Vi, no mesmo dia, meu discurso ser – estranhamente, é verdade – confirmado. A voz do movimento estudantil ainda precisa, e muito, ser ouvida.

[Publicado no JORNAL DIÁRIO de Dracena-SP em 12/07/2009.]