quinta-feira, 30 de setembro de 2010

[Crítica Social] Sobre as eleições do próximo domingo

SOBRE AS ELEIÇÕES DO PRÓXIMO DOMINGO

As elites e classes médias paulistas parecem ter uma clara identificação com o PSDB. Já são, afinal, 16 anos de domínio contínuo deste partido no governo do estado – e, ao que tudo indica, mais 4 estarão garantidos no domingo. A despeito da resistência paulista, contudo, parece bastante improvável que, na cena federal, algo venha a impedir a vitória da candidata do PT.

Mas quais são, no fim das contas, as diferenças fundamentais entre os dois lados? Quais as perspectivas políticas verdadeiramente em confronto?

Do ponto de vista propriamente político, as diferenças entre os dois partidos estão hoje minimizadas. Não sei o PSDB sequer foi um dia contado como partido de esquerda, mas é certo que já não se pode fazê-lo tranqüilamente com o PT. São dois partidos de “centro”, se é que tal posição existe, embora o PSDB esteja relativamente mais à direita do que o PT.

Ambos se equivalem ainda no que diz respeito a contradições internas. Se, paradoxalmente, o partido da social democracia foi, ao longo dos anos 1990, o grande responsável pela neoliberalização do Brasil, concretizando o completo desmonte do aparelho de Estado e a abertura definitiva do país ao capital financeiro internacional, o partido dos trabalhadores, ao longo dos anos 2000, não reverteu essencialmente este quadro. É bem verdade que o governo do PT realizou reformas e criou programas sociais. O crescimento econômico do Brasil nos últimos anos foi, sim, considerável. A popularidade de Lula, afinal, não é mero acidente, nem se deve, como quer a grande mídia, a um puro e simples populismo. No entanto, nenhuma das intervenções do PT atingiu o nível estrutural, nenhuma delas promoveu transformações profundas na sociedade brasileira, como seria de se esperar de um partido identificado com a classe trabalhadora.

Alianças comprometedoras, do mesmo modo, serão encontradas dos dois lados. Acusam Dilma, ex-militante anti-ditadura, de estar aliada a velhos “caciques” cujo compromisso com a democracia é questionável. Por outro lado, o antigo PFL, atual “Democratas”, talvez o maior herdeiro da antiga ARENA, o partido de situação da ditadura militar, é aliado histórico do PSDB. O debate aqui se dá entre o sujo e o mal lavado (parece-me preferível, em todo caso, o mal lavado).

Como terceira e quarta forças, segundo as pesquisas, encontram-se o PV e o PSOL. O caráter de “alternativa” pelo qual a candidatura do PV quer vender-se é fragilíssimo: para além de um discurso ambiental limitado ao “desenvolvimento sustentável”, tenta apoiar-se na linguagem do “politicamente correto” para disfarçar posições não raro conservadoras. Quanto à candidatura do PSOL, trata-se da única efetivamente de esquerda, embora já um tanto amenizada – sofre, no entanto, por ter-se deixado reduzir, pela grande mídia, a uma espécie de “anedota”.

Como se vê, uma alternativa de transformação social radical está fora das opções dadas diante da urna eletrônica. Mas será que isto poderia mesmo ser diferente?

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 29/09/2010.]

domingo, 26 de setembro de 2010

[Crítica Social] Escola e polícia

ESCOLA E POLÍCIA

Colocar um número fixo de policiais dentro de cada escola pública. Esta seria, segundo argumenta um candidato, a resposta adequada aos problemas da educação pública, sobretudo no que diz respeito ao controle disciplinar dos alunos e ao combate ao tráfico de drogas no interior das escolas. Eis uma surpreende proposta educacional...

Surpreendente, na verdade, não pelo simples fato de aparecer como proposta eleitoral. Qualquer coisa pode ser proposta eleitoral. Nas eleições, no fim das contas, impera um infeliz “vale tudo” que abre sempre espaço para qualquer argumento, mesmo os mais aberrantes e sem sentido. E é impossível não reconhecer que este apelo à temerária ideologia de “lei e ordem” convence mesmo parte dos eleitores...

Surpreende, contudo, que a educação seja encarada de uma tal maneira. Pois não se trata, neste caso, apenas de levar o poder armado para dentro de um espaço que deveria ser dedicado ao conhecimento. Não se trata apenas da exacerbação do controle policial e de formas de autoritarismo que, por vezes, imaginamos superadas desde o fim da ditadura militar. Trata-se do completo escracho de uma concepção distorcida da própria educação, uma concepção segundo a qual a educação deve dar-se por imposição, à força se preciso for.

Ora, o que esperar de uma educação assim? Num espaço em que a hierarquia entre a instituição escola e os estudantes é permanentemente reforçada, como esperar que o conhecimento seja, como deveria ser, construído em conjunto por professores e alunos? Como esperar que um estudante educado “na marra”, com as lições impostas “goela abaixo”, mais pelo medo da autoridade do que pelo respeito pelo conhecimento e pelo próximo, seja afinal formado para a sociedade e para a vida política?

O que, no fundo, escapa por completo a esta visão policial da educação é a compreensão de que a escola não é um espaço alheio, isolado do mundo ao redor. Se vivemos numa sociedade violenta, se assistimos em todos os lugares a uma “escalada” do crime, por que isto seria diferente na escola? Os problemas sociais aparecerão todos, sem dúvida, também na escola, porque a escola é parte da sociedade. Mas se a repressão policial não é a solução – visto que, na melhor das hipóteses, enfrenta as conseqüências, jamais as causas – para qualquer desses problemas fora da escola, por seria a solução dentro delas?

Uma escola diferente, radicalmente diferente, só é possível numa sociedade radicalmente diferente. Isto, porém, está muito além do discurso eleitoral...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 22/09/2010.]

domingo, 19 de setembro de 2010

[Crítica Social] Boa vontade e coragem

BOA VONTADE E CORAGEM

Boa vontade. Amor ao próximo. Compaixão. Bondade. Esperança. Parece haver muitas razões para crer no homem e em sua capacidade de moldar o seu próprio mundo. Talvez por isso, para quem entoa o coro dos inconformados, para todos aqueles que se põe contra o já estabelecido, para todos que se alinham politicamente à transformação, não à conservação do mesmo, a crença num insuprimível potencial da “natureza humana” para “o bem” acaba sendo uma saída sempre muito fácil e muito conveniente.

O homem que, segundo dizem, é, no fundo, sempre “bom”, acaba corrompido por viver sob as pressões e contingências de uma realidade que, no seu conjunto, não oferece saídas. Seria, portanto, possível “libertar” o homem desta realidade, porque dentro de cada homem residiria o próprio germe de uma realidade diferente, de uma sociedade diferente. Mas por que, então, mesmo ante a potência intrínseca para o “bem” em cada homem, o mundo dos homens é monstruoso? Por que, diante de um estoque tão imenso de boa vontade latente, não se supera a monstruosidade de uma sociedade na qual os homens são forçados a comercializar a si próprios como mercadorias, na qual a miséria de tantos é condição necessária para a opulência de uns poucos, na qual o capital é o núcleo de tudo?

Uma esperança, mesmo a mais arbitrária e irreal, tende a ser mantida tanto mais obstinada e cegamente quanto mais a realidade mesma negue as suas possibilidades. Ora, a sociedade não é simples produto ou somatória de vontades individuais, não é a boa ou má vontade de quem quer que seja que determina a sua permanência ou superação. A boa vontade de cada indivíduo pode, por exemplo na religião, levar à “salvação da alma”, porque cada um cuida de salvar apenas a própria alma. Mas a religião não pode ser, pelo menos não para além das portas do templo, uma visão de mundo consistente e socialmente conseqüente. Há de se constituir uma tal visão de mundo politicamente – e a lição da política é radicalmente diferente: a transformação social se faz apenas coletivamente, com luta.

Assim, não é preciso confiar a transformação da realidade humana à boa vontade. Não é preciso crer no homem, na sua natureza, nos seus intentos elevados. Basta saber – e sabe-se desde já quais os limites da sociedade presente, quais as suas mazelas, quais os caminhos para a sua superação. Nesse sentido, dentre todas as virtudes humanas, não são, então, a esperança ou o amor ao próximo as mais admiráveis. Mais admirável de todas é a coragem. Pois é a coragem para a luta, para o enfrentamento das enormes resistências, para o sacrifício pessoal que a luta demanda, enfim, a coragem para ousar e agir politicamente pela transformação da sociedade presente que pode contribuir, acima da pura vontade de qualquer indivíduo, para construir um outro mundo possível.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 15/09/2010.]

domingo, 5 de setembro de 2010

[Crítica Social] O “politicamente correto” e o seu preço


[André Dahmer. Malvados. Fonte: www.malvados.com.br]

O “POLITICAMENTE CORRETO” E O SEU PREÇO

Impressiona como as mentes brilhantes e inquietas a serviço do mercado são capazes de converter toda a ideologia do “politicamente correto”, tão em voga ultimamente, em publicidade. Impressiona porque não há nada, a rigor, menos “politicamente correto” do que grande capital no seu movimento voraz e cego de lançar incessantemente mercadorias à circulação – e, ainda assim, cada mercadoria individual, que carrega em si o germe do fim do mundo, consegue ser apresentada ao público consumidor como uma pequena e instantânea dose de salvação.


Ora, se o discurso do “politicamente correto” precisa clamar contra a destruição do meio ambiente, contra o trabalho infantil, contra o cigarro, contra a embriaguez ao volante etc. é porque, antes de tudo, o grande capital, na sua avidez por multiplicar-se, não hesita consumir recursos ambientais e poluir desmedidamente, apelar às formas mais indignas de cooptação de trabalho mal pago ou vender as coisas mais insalubres e destrutivas imagináveis. Mas o capital é tão versátil que, mesmo sendo a causa última dos problemas, consegue utilizá-los para promover ainda mais as suas mercadorias. Tudo aquilo que, nas peças publicitárias e nas prateleiras dos supermercados, apresenta-se como “ecologicamente correto” ou “sustentável”, tudo aquilo que traz estampado o selo “produzido sem mão-de-obra infantil” ou que se proclama “saudável”, “orgânico” ou engajado em programas sociais de qualquer tipo, tudo isso, afinal, vende mais.

O paradoxo está dado diante dos olhos – se não o enxergamos é porque vivemos mesmo numa era de cegueira coletiva. Os cosméticos fabricados à custa da degradação da Amazônia são vendidos como “amigos do meio ambiente”. A empresa que importa roupas produzidas na China com trabalho semi-escravo apresenta-se como “amiga da criança”. A indústria do cigarro inclui, na própria embalagem dos seus produtos, publicidade contra o fumo, enquanto adiciona qualquer nova substância no próprio fumo para torná-lo ainda mais viciante. Ou seria por mero acaso ou modismo que todos os grandes bancos, enquanto assistem às suas taxas de lucros batendo recordes, querem abrir um “centro cultural” próprio? Ou seria por pura boa vontade que as grandes detentoras dos veículos de comunicação brasileiros promovem periodicamente campanhas sociais?

O discurso do “politicamente correto”, por melhores que sejam as suas intenções, é rapidamente assimilado pelo grande capital e, a seguir, revertido. O sumamente “incorreto” vende-se travestido – e o consumidor, que não sabe como lidar os próprios anseios por mudança senão consumindo, compra as mercadorias estampadas com o selo hipócrita da salvação imaginando comprar a própria salvação. O caminho da mudança, contudo, não é, nem jamais poderá ser, o mercado – é, só pode ser, a luta, o enfrentamento, a política.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 01/09/2010.]