quinta-feira, 28 de junho de 2012

[Crítica Social] Sobre os “direitos reprodutivos da mulher”


SOBRE OS “DIREITOS REPRODUTIVOS DA MULHER”

“Direitos reprodutivos da mulher” – esta expressão tão simples, que não deveria ser senão a garantia mais elementar, que não deveria causar qualquer comoção ou oposição, acabou se tornando o centro de um dos debates de maior destaque da Rio+20. Isto talvez seja uma demonstração da pouca expressividade de tudo que se discutiu na reunião de cúpula das Nações Unidas ou da pouca disposição dos representantes da grande maioria dos Estados no que diz respeito ao enfrentamento dos temas mais sérios ali propostos. Mas é ainda significativo que o assunto tenha sido desviado de uma tal maneira e que a posição mais retrógrada tenha sido, ao final, aquela que prevaleceu.

Ora, com “direitos reprodutivos da mulher” tudo que se quer dizer é que à mulher deve ser assegurada a prerrogativa de decidir quando ter filhos. Aqui se inclui, por exemplo, a garantia de acesso e a liberdade de uso de métodos contraceptivos. Por que, afinal, implicar com algo assim, bloqueando por completo a discussão? Por que motivo alguém pretenderia negar por completo à mulher a possibilidade da decisão a respeito de ser mãe, a respeito de quando ser mãe, a respeito de como ser mãe?

O debate a respeito dos direitos reprodutivos pode avançar, claro, até temas mais controversos como, por exemplo, o direito de escolher pela interrupção da gravidez. E este debate seria pautado desde o princípio por um ponto de vista muito adequado: o do reconhecimento da mulher como plenamente capaz de decidir e de agir. Um ponto de vista laico, que sobrepõe a saúde pública às crenças individuais e que se coloca a favor da mulher. Mas a intolerância para com o reconhecimento da mulher e o fervor religioso indevidamente transposto para além dos limites estreitos da fé estão sempre vigilantes para impedir mesmo a simples proposição deste debate.

Apenas a persistência de uma visão conservadora, preconceituosa e machista pode explicar – sem, é evidente, justificar o que é ainda injustificável – tamanho desrespeito para com a mulher. É, nesse sentido, absolutamente lamentável que os arautos de algumas das mais disseminadas religiões do mundo se prestem ao desserviço de fornecer subsídios a tal visão, chegando mesmo a utilizar o seu “peso político” para pressionar pela eliminação do termo. E, pior ainda, é absurdo que uma reunião de líderes mundiais se curve a esta exigência, abrindo mão sem qualquer constrangimento da oportunidade de estabelecer um avanço – ainda que pequeno – na questão da igualdade da mulher.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 27/06/2012.]

quinta-feira, 14 de junho de 2012

[Crítica Social] Sobre o “generoso” salário mínimo


SOBRE O “GENEROSO” SALÁRIO MÍNIMO

Os aumentos do salário mínimo não podem mais ser tão generosos sem elevar o risco de inflação.” Esta foi uma das conclusões da coluna da senadora Kátia Abreu, do PSD, publicada na Folha de São Paulo no último sábado (9/6). Os “aumentos generosos” a que se refere a senadora são, por exemplo, os pouco mais de 14% concedidos no final de 2011, levando o salário mínimo ao valor atual de R$ 622.

Não pretendo aqui desqualificar o texto da senadora apenas por uma frase retirada de seu contexto. Isto não seria, do ponto de vista intelectual, algo de todo adequado – e, mais ainda, é desnecessário, visto que os interesses políticos que aqui se traduzem são por si sós o suficiente para que o leitor mais atento saiba com que tipo de argumento está lidando. Pretendo apenas insistir numa única e muito simples questão: do ponto de vista de quem, afinal, os aumentos do salário mínimo podem ser qualificados como “generosos”?

Certamente o trabalhador assalariado cujos rendimentos não ultrapassam o mínimo não considera, sob nenhum aspecto, o reajuste anual do seu salário como “generoso”. Certamente ele e sua família, constrangidos a “satisfazer” todas as suas necessidades vitais com tão poucos recursos, consideram ainda o salário mínimo e seus reajustes como francamente insuficientes. A tal “generosidade” em questão só pode, então, ser imaginada do ponto de vista dos grupos sociais privilegiados, mais enriquecidos, elites ou, pelo menos, classes médias. Ou seja, do ponto de vista de quem definitivamente não vive do salário mínimo.

De fato, saberia uma senadora da república, da bancada ruralista, o que significa viver com nada mais do que um salário mínimo? Os grandes produtores rurais, as elites tradicionais, a alta burguesia etc. poderiam fazer remota idéia do que significa viver com apenas R$ 622 durante um mês? Tais grupos sociais sabem – e muito bem – qual o “peso” de pagar salários mínimos. Sabem que, via de regra, quanto menores os salários pagos, maiores os lucros. Sabem, portanto, que o aumento do salário mínimo significa, no pólo oposto ao dos trabalhadores, maiores “despesas”.

O ponto de vista de quem acusa o aumento do salário mínimo de “generoso” só pode ser, no fim das contas, o de quem não vive com tão pouco e, mais ainda, o de quem vê o salário mínimo como “obstáculo” para o “elevado” objetivo de lucrar sempre mais. Trata-se, portanto, de um ponto de vista que não apenas não corresponde ao do trabalhador – isto é, ao ponto de vista da imensa maioria da população –, mas, na verdade, constitui o seu adversário direto, o seu maior opositor. Trata-se precisamente do interesse pela manutenção da desigualdade econômica que alimenta o enriquecimento de uma minoria, pela manutenção ou agravamento da exploração do trabalho que move a multiplicação do capital, pela perpetuação ao infinito das mesmas estruturas sociais pelas quais se organiza a sociedade presente.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 13/06/2012.]

quarta-feira, 6 de junho de 2012

[Crítica Social] Sobre o dia mundial do meio ambiente


SOBRE O DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

Ontem, 5 de junho, foi o dia mundial do meio ambiente. Há 40 anos, foi a data de abertura da conferência de Estocolmo, primeiro grande debate organizado pela ONU para debater a questão ambiental. Ao longo desses anos, no entanto, parece não haver qualquer avanço para levar em consideração e as preocupações acerca do meio ambiente parecem não ter sido resolvidas exceto em discursos cada vez mais incisivos e cada vez menos efetivos.

Nesse sentido, o tom de alarme ou de denúncia de tudo que é veiculado pela grande mídia acerca do meio ambiente aparece em perfeita sintonia com o tom moralizante das intervenções dos ambientalistas. Em comum, em ambos os casos, um discurso cujo tom é equivocado desde o princípio e que mira objetivos igualmente equivocados.

Em primeiro lugar, não pode haver alarmismo acerca daquilo que não pode ser surpresa para ninguém. É bem verdade que a sociedade contemporânea “descobriu-se”, como nunca antes na história, capaz de aniquilar por completo os recursos e as condições naturais que permitem a sobrevivência da própria espécie humana na Terra. Mas a sociedade contemporânea, embora relativamente recente em termos históricos, é já velha de séculos. A estrutura de produção capitalista, com o seu progresso técnico característico e com a sua avidez cega e essencial pela multiplicação do capital, é o que de fato tornou a humanidade capaz de destruir-se e de destruir o seu planeta – mas esta mesma estrutura de produção progrediu, desde seu advento, apenas no sentido de tornar esta destruição cada vez mais iminente, cabal, sem volta.

Em segundo lugar, nenhum discurso pode transformar, apenas porque quem o emite assim deseja, a questão ambiental em mero problema moral. Esta moralização – isto é, a redução da questão a dever moral: “você deve reciclar seu lixo”, “você deve plantar árvores”, “se cada um fizer a sua parte...” etc. – é, ao mesmo tempo, a individualização do problema. Tudo se reduz a um problema de consciência, toda solução se resume a uma exigência de “conscientização”. “Salvar o planeta” aparece então como responsabilidade de todos, de cada um e, portanto, de ninguém. Assim desaparece por completo o que é, de fato, essencial: a dimensão propriamente estrutural da questão, a sua vinculação fundamental ao modo de produção em vista do qual toda a sociedade contemporânea está determinada em última instância.

Desaparece por completo, no mais, o que há de mais importante e, ao mesmo tempo, de mais desesperador acerca de qualquer perspectiva de solução: o fim da ameaça de esgotamento completo dos recursos naturais só pode ser o fim de uma forma histórica de sociedade, isto é, o fim de uma forma histórica de relações de produção. Isto, por sua vez, não se pode resolver de uma hora para outra e não se pode resolver com apelo ingênuo ou hipócrita à “boa vontade”.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 06/06/2012.]